Sul-coreanos fazem sessões terapêuticas em fornos de carvão
Cidadãos de todo país viajam para se expor a temperaturas de até 60°. A R$ 15 a sessão, eles acreditam que calor revitaliza e trata doenças.
No relativo frescor da meia-noite, os funcionários de Seo Seok-gu quebram os lacres dos fornos e, usando longos ganchos de aço, puxam para fora o que resta das achas de carvalho que haviam sido inseridas uma semana antes e que agora se tornaram carvão em brasa. A visão gera um brilho hipnótico que Seo chama de “minha flor”. As temperaturas no interior dos fomos de argila chegam a 1.400 graus Celsius. Ao amanhecer o trabalho está feito, e os fornos podem começar a esfriar.
Mais tarde naquele dia, os fornos de Seo são preenchidos com algo novo: pessoas, que se apertam no interior deles, onde o ar seco e abrasador segue em torno de 60 graus, segundo números do governo – tão quente que o uso de roupas sintéticas é proibido, pois elas simplesmente derreteriam. Por dois dias, os fornos fornecem calor aos visitantes. Em seguida, tem início outro ciclo de produção de carvão.
“Eles vêm de todo o país para rastejar dentro de meus fornos”, disse Seo, de 73 anos, dono da Gangwon Oak Charcoal, o maior complexo de fornos de carvão vegetal na Coreia do Sul. Num recente e chuvoso dia, Yang Eun-já, de 53 anos, uma dona de casa de Seul, sentava-se dentro de um forno com os joelhos pressionados contra o peito. Uma toalha estava enrolada em seu cabelo, para protegê-lo do calor intenso, enquanto gotas de suor desciam por seu rosto. “Eu venho aqui duas vezes por mês ou sempre que me sinto cansada, tenha uma gripe ou precise relaxar”, explicou ela. “Você transpira por todos os poros em seu corpo. Sua garganta fica limpa. Seus olhos ficam brilhantes. Isso mantém sua pele renovada. Eu não aparento ser mais jovem do que minha idade?” Yang alternava entre transpirar dentro do forno e se deitar do lado de fora, sobre um colchão de palha de arroz. Ela bebia muita água, um copo atrás do outro. Um casal idoso ao seu lado no colchão bebia chá de ervas. A fumaça dos fornos preenchia o vale margeado por pinheiros. 'Loucura da moda' Atualmente, assar a si mesmo dentro de um forno de carvão se tornou um tipo de “loucura da moda” na Coreia do Sul. Mas a prática possui raízes na tradição local, assim como a sauna na Finlândia, segundo Seo e outros produtores de carvão desta região montanhosa 90 quilômetros a leste de Seul. “À noite, nós costumávamos nos sentar dentro do forno vazio, nus, após um dia de trabalho duro”, explicou Seo. “Os aldeões vinham até a colina, algumas vezes carregando seus parentes doentes nas costas, para se sentar nos fornos. Eles espalhavam galhos de pinheiro ou artemísia pelo aroma da cura. Monges budistas liam suas escrituras ou meditavam ali dentro”. Tanto essa tradição quanto a própria produção de carvão vegetal entraram em declínio algumas décadas atrás, quando a Coreia do Sul se industrializou e as famílias passaram a usar carvão mineral, petróleo e eletricidade para gerar calor. Mas a lembrança dos banhos de calor foi revitalizada nos últimos anos, com a disseminação de spas urbanos chamados jjimjilbang. Os jjimjilbang oferecem salas comuns com pisos aquecidos de argila, onde homens e mulheres, jovens e idosos, sentam-se juntos, relaxam e transpiram. Mas muitos também possuem salas de fornos – espaços que imitam as condições de um forno real, embora o calor seja principalmente gerado pela eletricidade. Uma década atrás, disse Seo, ele começou novamente a ver pessoas subindo sua colina, pedindo por um banho de calor tradicional nos fornos. Aproximadamente na mesma época, a produção de carvão vegetal experimentava um retorno – à medida que cada vez mais restaurantes urbanos queriam o carvão para grelhar alimentos. US$ 9 por sessão Seo cobra cerca de US$ 9 (cerca de R$ 15) por cliente por uma sessão dentro do forno. Ali são providenciadas uma toalha e roupas folgadas de algodão. Por algum tempo, segundo Seo Jong-won, de 37 anos, filho de Seo e gerente do complexo, “estávamos ganhando mais dinheiro com as pessoas sentadas em nossos fornos do que com a venda de carvão”. Entre 2002 e 2004, o complexo de Seo abria seis de seus 38 fornos para banhos de calor, atendendo até 450 pessoas por dia. Hoje seu negócio de banhos de calor caiu para cerca de um décimo disso, graças ao surgimento da concorrência – e, mais uma vez, a maior parte de seu lucro vem da produção de carvão.
Hoje existem cerca de 150 complexos de fornos de carvão vegetal na Coreia do Sul, muitos dos quais também disponibilizavam seus fornos para banhos de calor, disse o filho de Seo. Existem outros 150 complexos cujos fornos são usados exclusivamente para os banhos, segundo ele. Em 2007, a Agência do Consumidor da Coreia, principal supervisora de direitos do consumidor do governo, conduziu uma pesquisa de amostra com os fornos e descobriu que sua temperatura média do ar passava de 138 graus, com as paredes ficando ainda mais quentes. A agência preveniu os consumidores contra queimaduras de pele, e relatou alguns casos de usuários dos fornos sendo hospitalizados pela baixa circulação de ar.
Parte da popularidade dos fornos vem de crenças coreanas nas propriedades terapêuticas do carvão e da argila. No passado, quando as mulheres davam à luz, suas famílias penduravam blocos de carvão em seus portões para afastar espíritos malignos. Os coreanos também costumavam dormir sobre chãos aquecidos de argila. Hoje, as donas de casa muitas vezes mantêm pedaços de carvão em suas salas para absorver odores e purificar o ar. No complexo de Seo, alguns turistas vêm contemplar o brilho do carvão nos fornos à noite, acreditando que isso limpa suas mentes. “Você deve combater o calor com calor”, disse Yang, explicando por que ela e outros coreanos gostam de suar num forno durante os dias mais escaldantes do verão. “E no inverno, não há nada melhor que sair do forno e caminhar pelo ar gelado da neve”. Artrite e câncer Lim Hyun-o, de 40 anos, que já foi dono de uma fábrica de tratamento de lixo industrial, disse ter visitado os fornos de Seo pela primeira vez quando os médicos não conseguiram curar uma doença crônica de pele. Hoje o problema desapareceu, e Lim trabalha meio período nos fornos para ajudar a pagar por sua longa estadia. “Alguns pacientes de artrite e câncer alugam quartos próximos daqui e frequentam os fornos durante meses”, contou ele. “Acreditamos que o calor dos fornos elimine as toxinas através da transpiração”. Alguns dos novos concorrentes de Seo ostentam chuveiros e jardins bem-cuidados ao redor dos fornos. Embora ele e seus colegas tenham aberto um restaurante especializado em pratos grelhados no carvão, seu complexo oferece poucos confortos. Os telhados sobre os fornos estão cobertos de fuligem. No pátio, um velho caminhão rangia sob uma carga de carvalho. “Não esquecemos quem somos”, disse Seo. “Estamos administrando fornos, e não um spa”. Tradução: Gabriela d'Ávila
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